Faltando um pouco mais de três meses para as eleições municipais, a Justiça Eleitoral terá que se preparar para uma fiscalização ainda mais apurada devido à pandemia do novo coronavírus (Sars-coV-2). A preocupação é com o eventual uso eleitoral da distribuição de remédios, álcool gel e de ações sociais para mitigar o impacto da doença.
Segundo a Procuradora regional eleitoral do Rio, Silvana Battini, há uma brecha na legislação eleitoral para ações sociais de prefeitos em tempos de pandemia. Ela ressalta, porém, que qualquer iniciativa nesse sentido precisa ser impessoal. “O assistencialismo político faz parte do DNA das eleições no Brasil. E a pandemia tende a criar um espaço para o avanço desse clientelismo. Seja um placebo ou um álcool gel, um pré-candidato ou candidato não pode se valer disso. Mas sabemos desse risco”.
Já o Presidente do colégio de presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais do país e do TRE da Bahia, Jatahy Junior, afirma que os juízes e promotores estão aptos a fiscalizar e apurar eventuais casos de abuso de poder político. “Estamos numa pandemia em que os mandatários municipais têm mais atribuição de amenizar e combater a doença. E sabemos que o coronelismo, o clientelismo, é um mal em si. Muitos são candidatos à reeleição. O Ministério Público está ainda mais atento para evitar que as ações transbordem para o abuso do poder político. A distribuição de kits tem que ser impessoal. Se o gestor começa a distribuir kits ou se houver casos de improbidade, o risco é de impugnação”, alerta Junior.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que criou um espaço para denúncias de crimes eleitorais, também estará apto a receber queixas sobre o uso político da pandemia, no canal chamado Pardal.
Possível vantagem para quem está no cargo
Neurilan Fraga, presidente da Associação Mato-grossense de Municípios, preocupa-se com fato de a eleição ter sido mantida para este ano. Segundo ele, que desistiu de ser candidato pelo município de Nortelândia, é uma eleição de “aperto de mãos em que haverá relaxamento dos critérios de proteção contra a doença”, e ele faz parte do grupo de risco, por ser idoso.
“O peso das ações de quem está no mandato será ainda maior (nas eleições de 2016, 64% dos prefeitos do país foram reeleitos). Às vezes nem precisa fazer o clientelismo em si, mas a ação social na pandemia inevitavelmente vai ter peso. Como os candidatos fora do poder terão dificuldade de fazer campanha, os prefeitos terão vantagem. Ao distribuir cesta básica em ano eleitoral, já está sendo beneficiado”, afirma Neurilan.
Responsável pela fiscalização de 399 municípios, onde existem 196 zonas eleitorais, o desembargador Tito Campos de Paula, presidente do TRE do Paraná, distribuirá cartilhas para a população, alertando tanto sobre as notícias falsas quanto sobre o eventual uso político da pandemia.
“Sem a campanha nas ruas, sem dúvida, vai aumentar muito a força das mídias sociais, que também podem divulgar informações falsas sobre o vírus. Por outro lado, há uma preocupação grande de os candidatos tirarem proveito da miséria humana, o que é considerado crime”, diz o desembargador, que preventivamente está fazendo, via redes sociais, campanhas para que o eleitor não venda seus votos.
No Rio, o Ministério Público Eleitoral chegou a receber, mas arquivou, denúncia de distribuição dos equipamentos de proteção por um pré-candidato.
Os dados do sistema de acompanhamento da Fiocruz indicam que o número de casos de Covid nas grandes cidades, até 500 mil habitantes, corresponde a 42% dos casos da doença, enquanto as pequenas cidades, a 59%.
Em Goiás, a preocupação dos juízes eleitorais é com a possibilidade de uso político em comunidades quilombolas e indígenas do estado. Para isso, estão preparando plano de fiscalização.