Projeto colaborativo quer destrinchar trajetória da esgrima no país
O falecimento do russo Gennady Miakotnykh, técnico de esgrima do Pinheiros e da seleção brasileira, foi determinante para dois atletas colocarem em prática uma ideia que surgiu em 2011: contar a trajetória da modalidade no Brasil. A semente para o “Memória da Esgrima Brasileira”, uma enciclopédia on-line do esporte, foi plantada em Fernando Scavasin e Heitor Shimbo nos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara (México), após a conquista da medalha de bronze por equipes no florete masculino.
“Algumas pessoas vieram falar que era a primeira medalha da história. Outras falaram que era a primeira no florete. E teve quem dissesse que não era uma coisa, nem outra. Afinal, a esgrima manteve o patamar ou cresceu? A história precisava ter a história contada”, recorda Scavasin à Agência Brasil, explicando como a morte de Miakotnykh, em março deste ano, fez o projeto sair do campo das ideias. “O Gennady foi meu técnico por 12 anos e faleceu de uma hora para outra. Para a gente, foi pesado. E perdemos toda a história dele”, conta.
O “Memória” foi lançado no último dia 20 e está disponível na página do Instituto Touché, fundado por Scavasin e Shimbo para difundir a modalidade. O acervo tem 16 categorias, como apostilas de treino, histórico de atletas e delegações brasileiras, locais de práticas e publicações científicas. A iniciativa é colaborativa e quem possuir conteúdo pode compartilhá-lo pelo próprio site.
Segundo Scavasin, cerca de 30 pessoas ligadas à esgrima – entre elas, um estatístico, um matemático, um geógrafo, um profissional da área de inteligência artificial e dois de tecnologia – colaboram com o projeto. “Pudemos resgatar, por exemplo, medalhistas da esgrima em Mundiais, delegações olímpicas e pan-americanas, campeões nacionais… A gente entende que cada pessoa da modalidade tem um pedacinho dessa memória e que precisamos somá-las para termos começo, meio e fim”, explica o atleta. “A Confederação Brasileira de Esgrima (CBE) ligou para a gente e marcou reunião pra ter o compartilhamento de documentos digitais e físicos e podermos puxar ainda mais a história”, completa.
Um dos desafios do projeto é desvendar o princípio da esgrima no Brasil. “Nos primórdios, a gente tem clubes como Flamengo, Vasco, Corinthians, São Paulo ou Palmeiras, que tiveram a modalidade e não tem mais. A gente não sabia disso. Não temos, hoje, uma pessoa que seja considerada o patrono da esgrima”, argumenta Scavasin.
De acordo com ele, o que mais chamou atenção na compilação do material foi o número de trabalhos acadêmicos voltados à esgrima, considerado baixo. “Encontramos 25. É próximo de zero. Ao mesmo tempo, achávamos que teriam só três, quatro…”, avalia, destacando entre as publicações nacionais as sobre esgrima em cadeira de rodas e técnicas de treinamento. “No exterior, tem um grupo grande de [trabalhos sobre] história e manuais de esgrima, posições técnicas, dinâmica de movimento. Já nas competições, o que a gente mais vê são livros de tática”, compara.
Para Scavasin, o crescimento da modalidade passa pelo conhecimento científico e, por isso, entende que compilar os relatos e trabalhos acadêmicos, de forma colaborativa, auxilia o processo. “A gente acredita que o projeto será fonte para publicações da esgrima e o acesso à universidade”, finaliza.
Mas, e quanto àquela medalha de 2011? Segundo o “Memória”, ela foi a primeira do florete masculino por equipes em Jogos Pan-Americanos. Quatro anos antes, na mesma arma, João Antônio de Albuquerque e Sousa foi bronze individual no Pan do Rio de Janeiro. Já o primeiro pódio da esgrima brasileira foi em 1951, em Buenos Aires (Argentina), com o bronze de Estevão Molnar, Frederico Taveira Serrão, Hugler Matt e Virgílio Damásio de Sá no sabre por equipes.