O Ministério Público Federal (MPF), a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) cumpriram na segunda-feira (15) mandados de busca e apreensão contra suspeitos de desviar recursos públicos na área de saúde do município de Cabo Frio, na Região dos Lagos. Durante as buscas, os agentes apreenderam mais de R$ 370 mil em bitcoins (criptomoedas digitais) e R$ 101 mil em espécie, documentos e celulares. Apesar de a ação ter como alvo dois membros do alto escalão do governo municipal e o Hospital de Campanha Unilagos, o prefeito Dr. Adriano Moreno tirou o ‘corpo fora’ e culpou a antiga gestão pelos desvios.
“Amigos, hoje tivemos uma operação da Policia Federal, em Cabo Frio, e é preciso esclarecer que as denuncias têm como alvo principal contratos firmados na gestão anterior. Esclareço ainda que a nossa gestão preza pela transparência e toda informação sobre a verba federal destinada para o combate ao Covid-19 é encaminhada para Câmara de Vereadores e órgãos competentes”, disse o gestor.
A afirmação gerou indignação na Casa de Leis. Durante seu discurso na tribuna na sessão de terça-feira (16), a vereadora Leticia Jotta classificou a fala do gestor como piada. “Estava assistindo o jornal ontem e quase engasgo com a comida quando a repórter fala que prefeitura de Cabo Frio mandou uma resposta dizendo que a Câmara Municipal recebe tudo, todas as informações. Fiquei numa crise de riso, pois é cômico você ouvi num jornal nacional uma piada dessas. Falar que tudo ele manda para a Câmara. Vou fazer uma leve recordação, como presidente da Comissão de Saúde, Defesa e Combate ao Coronavírus, mandei vários requerimentos e para receber a resposta tive que, praticamente, colocar eles contra a parede com um ajuizamento. Dois meses para enviar uma resposta sobre o Unilagos”, disse.
Segundo a PF, a investigação teve origem em procedimento do MPF, anterior à pandemia, que apurava licitações e contratos para a realização de exames laboratoriais. Com a colaboração da Controladoria-Geral da União, a investigação incluiu também a aquisição e a distribuição de remédios. Já no âmbito do inquérito instaurado na Polícia Federal, as apurações recaíram sobre os recursos federais para combate à covid-19 no município.
A suspeita da PF e do MPF é que as autoridades de Cabo Frio tenham aproveitado da pandemia para realizar compras emergenciais e sem licitações superfaturadas.
Segundo o procurador da República Leandro Mitidieri, “o planejamento inicial era a realização de operações após passada a pandemia, uma vez que o MPF vem se colocando a favor de medidas restritivas, inclusive, quando for o caso, do isolamento social. Mas verificou-se a necessidade da antecipação”.
Agentes também cumpriram mandados nas cidades de São Pedro da Aldeia, São João de Meriti, Nova Iguaçu e Miracema, no estado do Rio, além de Vila Velha, no Espírito Santo. Foram cumpridos 30 mandados de busca e apreensão contra 28 alvos, sendo 14 pessoas, 11 empresas e três órgãos públicos, entre eles a Secretaria Municipal de Saúde. Cerca de 90 agentes da Polícia Federal e 15 da Controladoria-Geral da União foram mobilizados.
Os crimes
A CGU encontrou irregularidades nas compras e baixas de medicamentos feitas pela Secretaria de Saúde de Cabo Frio, em 2018, além de duplicidade nos pagamentos de exames de sangue. A investigação revelou, ainda, indícios de fraudes na aplicação de recursos destinados ao combate do novo coronavírus (covid-19), através do Hospital Unilagos. Há indícios da prática dos crimes de corrupção ativa e passiva, fraude ao caráter competitivo da licitação, peculato e associação criminosa.
Ainda segundo a CGU, Cabo Frio já recebeu R$ 55.996.906,61 repassados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2020. “A má aplicação desses recursos da área da Saúde, em um momento tão delicado como o atual, é extremamente prejudicial para a sociedade, que já está sendo bastante afetada pelos efeitos da pandemia”, alega a Controladoria-Geral da União.
Apreensão de moeda virtual
Durante as buscas conduzidas pela PF, em operação contra fraude na saúde, foram encontrados R$ 370 mil em Bitcoin. Segundo a PF, os Bitcoins apreendidos podem estar ligados ao esquema de superfaturamento e corrupção que vem sendo investigado pela justiça.
A moeda digital tem sido detectada pela Polícia Federal em operações, sendo que o órgão já possui até uma cartilha ensinando os agentes a realizar a apreensão desses ativos digitais.
Além dos Bitcoins também foram apreendidos R$ 101 mil em espécie, 14 celulares, 10 HDs, sete desktops, 10 notebooks, uma CPU e dois iPads.
Os celulares e computadores serão analisados no laboratório de perícia técnica da Polícia Federal na Superintendência do Rio de Janeiro. Já os documentos apreendidos na ação serão examinados pelos auditores da CGU.
Considerando o preço do Bitcoin hoje, a apreensão da PF provavelmente foi de cerca de 8 BTCs, uma vez que cada moeda custa R$ 49 mil. As moedas estavam na casa de um empresário alvo da PF na operação, que inclusive tentou destruir suas moedas com a chegada da Polícia em sua casa, de acordo com a UOL.
A operação ‘Exam’ por enquanto mirou principalmente a sede da Secretaria Municipal de Saúde do Cabo Frio, para averiguar o estoque de remédios e insumos do almoxarifado.
Instalado na atual gestão, Hospital de Campanha também foi alvo
Inaugurado em abril, o hospital de campanha da Unilagos também foi alvo de buscas. Não é novidade que a unidade levanta suspeitas. Em maio, o resultado da vistoria feita pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) no Hospital Unilagos, requisitado administrativamente pela Prefeitura de Cabo Frio para ser referência no tratamento da Covid-19, revelou que a Prefeitura não conseguiu oferecer à população nem a metade dos 21 leitos de Terapia Intensiva divulgados.
Segundo o Cremerj, apenas nove UTIs e sete (dos 60 leitos prometidos) de enfermaria estavam sendo oferecidos. A vistoria também apurou a falta de médicos, enfermeiros e técnicos.